"Ciências sem fronteiras" ou Turismo sem fronteiras?
0 26/11/2016
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Eu voltei do meu intercâmbio da Australia recentemente. Estudei "Manufacturing Engineering" na UNSW, em Sydney. Tive a chance de ter a melhor experiência da minha vida graças ao programa do Ciências Sem Fronteiras.
Entretanto, eu acho que fui uma excessão e esse foi mais um programa governamental com ótimas intenções, entretanto falho por ser executado de forma mal estruturada.
O intuito do programa é excelente. Conforme explícito no portal oficial, os objetivos eram:
- Investir na formação de pessoal altamente qualificado nas competências e habilidades necessárias para o avanço da sociedade do conhecimento;
- Aumentar a presença de pesquisadores e estudantes de vários níveis em instituições de excelência no exterior;
- Promover a inserção internacional das instituições brasileiras pela abertura de oportunidades semelhantes para cientistas e estudantes estrangeiros;
- Ampliar o conhecimento inovador de pessoal das indústrias tecnológicas;
- Atrair jovens talentos científicos e investigadores altamente qualificados para trabalhar no Brasil.
Só que o programa ganhou escala antes de ter sido feito um modelo piloto para que fosse avaliado o real retorno sobre esse investimento. Dessa forma, foram cerca de 100.000 bolsas concedidas de forma irresponsável. Foram quase $10Bi alocados nesse programa num momento em que tínhamos tantas outras prioridades no Brasil.
Por ter sido estruturado de forma falha, muitos dos alunos que foram fazer o intercâmbio não valorizaram a oportunidade que estava sendo oferecida. Tampouco entenderam o seu papel de embaixadores de suas universidades brasileiras lá fora. O que eu vi foi grande parte dos estudantes aproveitando para tirar férias. Vi muita negligência em relação aos estudos. Vi a galera zoando e fazendo a festa com o "cartão da Dilma"...
Poucos eram os alunos interessados em realizar uma pesquisa científica lá fora. E a percepção que os brasileiros deixaram lá no exterior ficou bem distante da de "jovens cientistas".
E quando voltaram? Depressão é a palavra que melhor define o sentimento. Inclusive, a página no Facebook relacionada ao CsF que mais tem curtidas é a "CsF dá Depressão" com 31.426 curtidas.
A única obrigatoriedade é voltar e ficar 1 ano no Brasil depois de ter terminado o programa. Infelizmente eu não tenho esses dados com todos alunos que fizeram o programa, mas pelo menos 6 a cada 10 amigos meus que participaram do programa expressaram vontade e cogitam a possibilidade de voltar para o país de intercâmbio para morar. Afinal, "exportar nossos jovens mais bem capacitados" era tudo que queríamos, né?
Hoje já não ha mais bolsas para alunos de graduação.Esta seria, na minha concepção, uma proposta para a continuidade do Programa Ciências Sem Fronteiras:
1. Financiamento da bolsa pelo setor privado.
Na UFRJ, o Daniel Spilberg deu início a uma corrente inspiradora: sentia um comprometimento de retribuir de alguma forma à universidade, por isso resolveu financiar o estudo no intercâmbio de um aluno que não conhecia.Dessa forma, realizou um edital para escolher o merecedor da bolsa e este edital foi bem mais rígido. Além disso, o aluno merecedor também recebeu praticamente uma "mentoria" do seu financiador. Como resultado, o aluno que recebeu a bolsa entendeu muito bem a proposta do seu intercâmbio.
Esse também é um modelo utilizado pela Fundação Estudar que apoiou a formação de excelência de 596 jovens brilhantes.
2. Mentoria e apoio ao aluno antes e durante o intercambio
O próprio financiador com ajuda de uma agência de intercâmbio podem fazer esse papel. Enquanto uma agência disponibilizaria o apoio às questões burocráticas, o financiador e "mentor" pode oferecer disponibilidade para conselhos acadêmicos e profissionais.O portal MyCsf e a Rede CsF, redes colaborativa de intercambistas, também são ótimos apoios!
3. Incentivo à trazer o que viu na universidade lá fora para universidade no Brasil
Eu e meus amigos criamos na UFRJ um grupo que chamamos de "Fundão Sem Fronteiras". Coletamos as ideias de quem fez intercâmbio, montamos planos de ação e buscamos implementar pequenas melhorias na UFRJ. A existência de um núcleo similar como esse nas universidades, que permitisse que os próprios alunos se engajassem voluntariamente em mudanças para universidade na volta do seu intercambio estimulam e facilitam a compreensão do real objetivo do intercâmbio: "trazer o que você viu lá fora para cá."
4. Continuidade à corrente do CsF
O financiamento do setor privado tem um compromisso não formal de dar continuidade à corrente. Assim sendo, quando o aluno bolsista tem capacidade financeira, financia a bolsa de um outro aluno. Hoje, o aluno Raphael Sodero dá continuidade à corrente financiando a bolsa de outra aluno da UFRJ. O mesmo acontece com centenas de jovens que dão continuidade à corrente da Fundação Estudar.
O financiamento da bolsa pelo setor privado é muito mais sustentável e traz resultados muito mais efetivos. Esse peso não precisa recair sobre o Estado.
O Brasil precisa de jovens bem capacitados para trazer a mudança que precisamos. A proposta inicial do programa Ciências Sem Fronteiras é excelente, mas por ter sido mal estruturado não trouxe resultados efetivos, pelo menos nao a curto prazo.
Para que esse programa tenha continuidade e não seja confundido com "Turismo sem fronteiras", as bolsas poderiam ser financiadas pelo setor privado. Se 10% de nós jovens que recebemos as bolsas do CsF agora iniciássemos essa corrente quando tivermos condição financeira, seriam mais 10.000 jovens capacitados para trazer as mudanças que precisamos.