Dizem que o ser humano tem uma certa atração por aquilo que não tem. Nós, brasileiros, habitantes de um lindo país tropical temos pouco contato com a neve e o gelo. Nosso verde abundante enche os olhos dos gringos mas por conta de nossa geografia equatorial-tropical não temos por aqui picos de neve eterna, lagos de degelo e muito menos geleiras desde a última Era Glacial, há uns 20mil anos atrás.

Geleiras. Glaciares. Enormes massas volumétricas de gelo que se depositam em vales, planaltos, picos gelados e que resistem aos verões. Se formam em lugares aonde há mais precipitação de neve no inverno que derretimento no verão. Assim essas camadas de neve vão se precipitando, gerando cristais mais densos e compactos e formando as geleiras. Quando estive no sul chileno, na Patagônia, tive a oportunidade de conhecer uma enorme geleira, um mundo de gelo: o Glaciar Exploradores.

O Glaciar Exploradores fica no norte do Campo de Hielo Norte, uma impressionante massa de gelo e neve com aproximadamente 4200 km2 de área. Perto da encosta do monte San Valentín (o mais alto pico da Patagônia com 4058 m acima do nível do mar) se encontra, no Valle Exploradores, o glaciar de mesmo nome que se derrama das altitudes até chegar ali, no formato de uma grande língua de gelo espraiando-se pelo vale.



De Puerto Rio Tranquilo, vilarejo das Capillas de Mármol na região de Aysén, saem trips para o Glaciar com diversas agências de turismo. São 52km em uma estradinha de rípio desde o vilarejo até a entrada do Parque onde fica o Glaciar. Uma hora e meia num 4x4. No meio do caminho, à margem da estradinha paramos para ver uma linda cachoeira. A Patagônia tem esse carimbo de lugar quase intocado, muito difícil de achar hoje em dia no mundo. Poucos lugares são tão ermos e ao mesmo tempo tão fascinantes. Outra característica de lá é a grande variação do clima. De repente chove, de repente abre sol, faz frio, calor, neva. Tudo ao mesmo tempo agora - e isso dá uma dramaticidade ímpar às aventuras feitas na região. Prova disso foi o arco-íris que pegamos na estrada ainda antes de chegar no Glaciar, emoldurando a já bela paisagem.

Chegando na entrada do Parque, primeiro fazemos uma trilha pra contornar um morro. Calor (era verão e devia fazer uns 15 graus mais o sol batendo). Caminhamos sobre rochas por uma hora até que chegamos na interface rocha-gelo. Por conta do forte intemperismo que atua nas montanhas circundantes e do transporte de sedimentos pro vale, o gelo parece "sujo" de pedrinhas e solo. Mas é predominantemente gelo com todos os perigos inerentes a um chão desse tipo. Por conta disso todos nós colocamos crampons - foi minha primeira vez lidando com um, mas o guia era sempre bem solícito e nos ensinou como caminhar com aquilo sobre o gelo. Os crampons são como garras de metal que você acopla na bota e elas cravam no gelo pra te dar firmeza na pisada: impossível caminhar em um glaciar sem um carinha desses!

Caminhamos então por 4h naquela imensidão gelada. Ora uns pinguinhos de chuva mas nada de tempestades, ora um quase-sol fazendo brilhar o chão de gelo. Entramos em grutas de gelo, atravessamos pontes de gelo, caminhamos por cristas de gelo. As vezes um som grave ao longe, assim como o pinga-pinga dentro das grutas nos lembrava que os glaciares são dinâmicos: se voltássemos no dia seguinte a paisagem já teria algumas mudanças. Os guias batem bastante na tecla do aquecimento global, inclusive. Falam de como os glaciares tem reduzido sua área. Mesmo assim, a imensidão ainda impressiona.



Depois de muito caminhar nesse pequeno pedacinho do que é o Campo de Hielo Norte, voltamos com o sentimento de paz e tranquilidade que o mais puro trekking pode nos trazer. O contato com a natureza extrema me é necessário de tempos em tempos. Buscando a beleza e a harmonia que se constrói por anos, milênios na dinâmica incessante do nosso planeta me sinto pleno. Que venham mais!